Google-Translate-ChineseGoogle-Translate-Portuguese to FrenchGoogle-Translate-Portuguese to GermanGoogle-Translate-Portuguese to ItalianGoogle-Translate-Portuguese to JapaneseGoogle-Translate-Portuguese to EnglishGoogle-Translate-Portuguese to RussianGoogle-Translate-Portuguese to Spanish

quinta-feira, dezembro 18

Hóspede da semana :: Eron Villar

A Trupe hospeda por uma semana no seu blog o artista Eron Villar, divulgando um de seus contos intitulado BATENTE.
Eron dirige peças teatrais, vídeos, escreve, ilumina, produz. É integrante do grupo Engenho de Teatro que estreará um novo espetáculo em 2009, Meninas de Engenho.

Ajudem-nos a divulgar mais este trabalho e boa visita!

BATENTE

Todos os dias eu passava por aquela esquina e ele estava sempre lá. Olhava pra mim com uma carinha que dava dó. Seus olhos remelados, seus cabelos enroladinhos e despenteados como os de um anjo maltrapilho. Implorava com um enorme sorriso e um ar melancólico.

- Moça, dá uma alegria pro Pequeno!

Eu insistia em dizer: “Hoje num tenho nada!” Nunca me culpei por isso. Sempre achei que não é com esmola que se cuida dos problemas sociais e etecetera. Nem vale a pena conversar sobre isso. O fato é que não dou esmolas e pronto. Criança na rua pedindo tem em toda esquina, se for sustentar todas não pago minhas contas.
Mas naquele dia, não sei por que, já acordei pensando no Pequeno. Iria conversar com ele. Queria saber tudo sobre sua vida. Quem sabe eu pudesse fazer alguma coisa mais consistente do que dar algumas moedas.
Saí para almoçar mais cedo para ter mais tempo com o menino da Esquina Feia. Aliás, aquele era um dos lugares mais feios e esquisitos do Bairro Antigo. Calçadas fedendo a mijo, paredes sujas de merda, casebres abandonados. E o menino misturado àquela paisagem, como se fosse parte daquele cenário grotesco. Uma figura encravada na textura rústica e poluída das paredes, como em um quadro de Magritte.
Na porta do prédio o celular tocou. Era Otávio querendo marcar para almoçar. Há três dias não me ligava o rapaz. E justo agora resolvera dar notícia.

-Você vai me desculpar Otávio, mas hoje eu não posso. Tenho um compromisso. Paquera? Não bobo! Um anjo!!! Não, não e não, hoje não... tchau!

Cecília, que sempre almoçava comigo, só viria trabalhar à tarde. Seu filho machucou o tornozelo em um Parque de Diversão. Um desses que cobram os olhos da cara por um passaporte. Deveriam ter seguro contra acidentes. Ou dedução no IR.
Tudo certo para o meu encontro com o Pequeno. Percebi que estava nervosa. As duas quadras que caminhava até o restaurante pareceram ter quilômetros de distância. Quando cruzei a Esquina Feia esperei ouvir sua voz aguda:

- Moça, dá uma alegria pro Pequeno!

Nada!

Pela primeira vez em seis meses o menino com cara de anjo não estava lá. Perguntei a outro garoto. Ele falou que o Pequeno estivera lá até meia hora atrás, mas não o vira sair. Resolvi esperar. Passei quinze minutos de pé, olhando impaciente para os lados. Outros quinze olhando o relógio. Perdi até a fome. Eu não sabia por que, mas precisava muito ver aquele garoto.
...

As treze e vinte e cinco liguei para o trabalho e avisei que chegaria um pouco atrasada. Neste instante eu já estava sentada na calçada. Com as mãos no queixo, a pele suada, os cabelos assanhados pelo vento.
Resolvi não esperar mais. Preparei-me para levantar. Foi quando passou um casal com uma criancinha ruiva sorridente. Ela me estendeu a mão e me deu duas moedas de dez centavos. Achei absurdo, a princípio. Esbocei uma reação. Talvez dizer que não era mendiga, mas...
A criança de cabelos vermelhos olhava pra trás sorrindo para mim. Estava feliz por ajudar alguém. Eu não concordava com aquilo, mas estava ali também para isso. Sorri para ela e sentei novamente na calçada. Esperaria por mais alguns minutos.
O sol estava forte, era verão. Encostei-me à parede suja, aliás, o mau cheiro já não me incomodava tanto. Adormeci. Acho que sonhei com o Pequeno correndo feliz. Era um campo verde e arejado. Muitas crianças sem rostos, só o do Pequeno era nítido. Eu também corria, presa a umas cordas, meio angustiada. Quando acabou o campo, caí em um penhasco infinito. Parecia um daqueles sonhos de infância. O penhasco virou um enorme buraco quando deixei de ver o rosto angelical daquele menino.
Acordei assustada!
Um homem estava prostrado à minha frente com uma farda azul. Era um guarda municipal.

- Vamos moça, não pode mais ficar pelas calçadas! - Quase gritou no exercício de seu abuso de autoridade.
- Espera moço, eu estava só esperando uma pessoa.
- É??? E eu espero o Coelhinho da Páscoa. Vamo logo! Circula, circula!!!

Aquilo foi realmente abusivo. Recompus minha dignidade, liguei para o escritório e acionei o doutor Fontes, o advogado da empresa. Que absurdo! Falei umas boas verdades para o guarda. Ele pediu desculpas e por tudo nesta vida que eu esquecesse aquilo. Esquecer nada! Iria até o fim. Depois que o doutor Fontes chegou, me levou de volta à empresa. Meu chefe me liberou a pedido do advogado. Resolvi caminhar um pouco para esquecer aquele dia maluco. Passar por tudo aquilo por causa de uma criança de rua que eu não sabia nem o nome. E jamais voltaria a ver! Certas coisas servem de lição para nós. Cada um que viva seus problemas. Sempre pensei assim, que ingenuidade a minha. Era apenas mais uma entre milhares.
O sol estava se pondo, resolvi tomar um sorvete na praça. Um lugar bem mais agradável que a Esquina Feia do Bairro Antigo. Sentei-me em um banco, chamei o sorveteiro, escolhi o sorvete e quando puxei a bolsa para pagar, meu coração gelou, não sei se de susto ou de esperança. Uma voz suave falou baixinho:

- Moça, dá uma alegria pro Pequeno!


Eron Villar

5 comentários:

Luna Freire disse...

Lindo texto Eron.
Um belo convite para se ver a realidade pelo ângulo do outro... Meninas, visitem também o meu blog: palavraspontes.blogspot.com

Anônimo disse...

Encaminha para Eron:
Parabéns nêgo preto, pelas belas-duras palavras, pela construção de imagens, pelo roteiro que dá pano pras mangas em várias linguagens...
Grata pelas reflexões,
Beijos,
Kyara

Unknown disse...

Muito bom, Eron! Adorei seu conto! Rapaz, vc é um cara cheio de talentos mesmo! Não sabia que vc escrevia tão bem! E o interessante é que o texto é super adequado para estes momentos de feliz-natal-prósperoanonovo, etc., etc. E, claro, para todos os dias em que nos dispusermos a pensar/preocupar com o(s)outro(s). Beijão ! Andréa (a que não é cineasta, rsrsrs)

Unknown disse...

Luna, Ky e Déa Melo! Obrigado por suas sinceras palavras. Mesmo sendo um autêntico cafuçu, acredito que nosso ofício é dar um pouco de alegria para as pessoas, seja de qual for a natureza.
Um grande beijo a todos e todas da Trupe também!
Eron

Anônimo disse...

Negrinho do Pastoreio...Eu não conhecia suas habilidades literárias... Que bonito, seu conto.

É um multi artista! Kkkkk!

Mais um ponto positivo pra esse cafuçu safado e amado! =P

Bjo enorme! Estou muito feliz e orgulhoso por você, viu?

Tadeu Gondim